sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O chamado



Antes daquele encontro, éramos meras colegas. Mulheres que se cruzavam pelos corredores e trocavam gentis cumprimentos, quando isso. Às vezes, uma ou outra se encontrava na copa e falavam dos filhos, da vida, superficialmente - naquela superficialidade confortável das pessoas que não se conhecem profundamente, que não compartilham nada mais além de café e cinco minutos de bate-papo. Outras estavam ali há séculos e nunca haviam se visto. Coisas desses lugares grandes e abarrotados de gente, gente diferente a cada dia - abarrotado de gente que se mantém na sua confortável superficialidade e anonimato.
Como super-heroínas em uma missão secreta, todas fomos convocadas para “o chamado”. Me senti especial, integrada, importante, como se, finalmente, alguém tivesse um trabalho sério a desenvolver e a minha cooperação e competência fossem indispensáveis. Mal sabia eu, onde estava me metendo. Aliás, mal sabíamos nós. Todas nós. Sem saber absolutamente nada do que se tratava, fomos - inadvertidamente, fomos.
E então, estávamos ali. Desconhecidas, daquele desconhecimento que só era rompido pela proximidade das cadeiras e do formato circular da disposição das mesmas. E uma a uma fomos convidadas a entrar no mundo mágico de nossa realidade. Aquele trabalho, hoje realizo, seria o que de mais importante poderíamos fazer para nós mesmas e, mesmo sem saber de nada naquele exato momento, umas pelas outras.
Naquele primeiro encontro, saiu as entranhas. Cada uma de nós despejou o que de melhor e de pior havia dentro. Foram lágrimas, queixas, orgulho, cobranças, medos, mais lágrimas e segredos. Muitos segredos. Meus mais íntimos segredos. Os segredos de todas. Nos colocamos, uma para as outras - onde anteriormente só havia superficialidade e distância - e mergulhamos no mais profundo de nossas angústias. E quantas surpresas!... quantas similaridades e quantas discrepâncias e quantas dores... e como doeu! Se expor, se ouvir, ouvir o outro, sentir a dor do outro...
E naquele exato instante de mais profunda descoberta, nos tornamos todas cúmplices. Sim, cúmplices.  Cumplicidade é aquilo que a gente sente quando olhamos bem dentro do olhar do outro e sabemos que o outro nos entende e nos apóia. Não havia mais como não se envolver. Éramos parte daquele todo, e ele era necessário para que nós continuássemos seguindo no nosso chamado.
O tempo foi longo e passou. Algumas não se deixaram tocar pela grandeza do trabalho. Algumas fizeram falta, outras nem tanto. Algumas nos deixaram pra viver intensamente o motivo da nossa permanência ali. E pra umas, o chamado foi terapia, pra outras foi brincadeira. Pra mim, foi o início da minha cura.
Hoje nossa missão foi cumprida.
E nunca mais poderemos passar despercebidas umas pelas outras.
No corre-corre do dia-a-dia, nos esbarrões dos corredores, no café corrido da copa, saberemos nós, ao nos olharmos, o que traduz a nossa alma.
Porque a cumplicidade é assim. E só quem vive a experiência de se mostrar verdadeiramente pro outro, com suas fraquezas e fortalezas, vai entender o que de fato é ser cúmplice.

E só quem viveu a experiência e a liberdade de se expor vai ver o quão gigante cada uma de nós somos - mesmo dentro desse lugar grande, grande e abarrotado de gente: gente que não se vê, não se enxerga, não se sente...

Para Gê, Roberta, Tatiana, Aline, Márcia, Maitê, Flavinha, Flaviane, Karla, Patrícia e finalmente Elisa. Sem ela, essa experiência não teria sido possível. 

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

CAMPANHA CURAR LANA FULLER

Então, como alguns de vcs sabem, estou organizando um evento no Facebook chamado CAMPANHA DE APENAS R$ 10,00 PARA CURAR LANA FULLER (https://www.facebook.com/events/437339913048829/), pra arrecadação de doações pra uma menininha lá da Inglaterra. Os que me conhecem sabem o quanto sempre fui envolvida com as causas beneficientes (muito por influência dos meus pais, que faziam parte do Lions). Pois bem, esse texto é um pouco longo, mas necessário, pra que vcs se certifiquem da veracidade dos fatos, e possam ajudar de coração aberto, assim como eu ajudei.
Como conheci o caso
Conheci o caso da Lana pela internet e como mãe, não pude deixar de me sensibilizar. Esta mobilização é pra levantar fundos uma menininha de três anos, chamada Lana Fuller (filha da brasileira Maria Fuller com o inglês Peter), que tem uma doença na pele que ainda não foi diagnosticada (a principio, acreditava-se ser uma dermatite atópica aguda). Só agora depois de 10 meses de tratamentos paleativos, o NHS (sistema de saúde público de lá) fez o primeiro exame de sangue e cutura de pele e foi descoberto que a pele dela esta coberta com a bactéria estafilococos aureus. Essa bactéria é a mesma que causa sinusite e furúnculos. Além disso, Lana também contraiu uma bactéria na corrente sanguínea estreptococos do grupo A (bactéria que causa a faringite) que quando cai na corrente sanguínea pode ser letal - ela já esteve em estado de choque em uma das várias crises que teve, segundo os relatos de sua mãe. O sistema público de lá tem sido bastante omisso no tratamento dela. Omisso e desatento. Chegamos a levantar a hipótese de preconceito, por Maria ser latina e por não dominar muito bem o inglês.
Para me certificar da veracidade do caso entrei em contato com a Katya Ceci Ribeiro, brasileira que tb mora em Londres que se prontificou a ajudar a Maria. Katya é prima de uma amiga do meu trabalho (Márcia Gitahy), o que me deu maior segurança. Katya me mantém informada diariamente por msgs ou por skype - a mim e a outras 5 mães que assim como eu, se predispuseram a ajudar. Ela tem acompanhado Maria as consultas e as idas ao consulado para agilização da documentação das meninas.
Como começou a campanha?
A idéia de Maria, no auge do desespero, era vir pro Brasil tratar da Lana no SUS (pra vcs verem a que ponto ela chegou). A princípio iria pra Manaus, onde uma amiga já tinha uma equipe médica acompanhando, no Instituto Alfredo da Mata e dispostos a tratar da Lana gratuitamente. Porém decidiu ir pra Recife, sua cidade Natal, onde possui parentes que poderiam auxiliá-la tanto emocionalmente quanto cuidado das filhas, além de já ter alguns contatos com os médicos do IMIP de Recife. Maria lançou um vídeo na internet que mostra as escaras na pele da filha e Lana chorando e gritando que estava morrendo, enquanto ela tentava ministrar as loções para cuidar da pele. O problema é que há 10 meses, Lana se coça e sangra e só consegue dormir poucas horas por noite. Com isso começou a campanha CURAR LANA FULLER. Existe uma página na internet destinada a relatar os fatos e o andamento do tratamento. Maria tenta os manter atualizados, mas nem sempre consegue.
Por que se precisa de dinheiro?
Maria precisa de dinheiro para o tratamento de Lana, que pode ser no Brasil ou na Inglaterra. Depois de 10 meses dando cabeçada na rede publica de lá, ela só obteve o primeiro resultado de inicio de um diagnostico com um médico privado (Dr. Gideon Lack) onde só a consulta do médico foi 300 libras, o equivalente a R$1,073 (fora os exames e as passagem para ir a Londres). Esse médico, através de um teste, já disse que a menina não é alérgica a nada (foi ele que fez a cutura e descobriu a bactéria da pele). Hoje ela foi a um dermatologista infantil (Dr. Harper) que foi tão caro quanto ao primeiro especialista. Além da consulta ainda são gastos muita grana com exames e transporte, pois Maria e as filhas moram numa cidadezinha chamada Stoke-a-Trent, que fica 2 horas de Londres. 
Caso Maria decida trazer Lana para se tratar no Brasil, precisará de dinheiro para as passagens, que estão custando na faixa de R$7,000 para duas pessoas, pois a mais nova, Louise, ainda poderá ir no colo. Katya nos mandou uma msg dizendo que a consulta foi boa e tem ótimas notícias. Estamos aguardando.
Maria, ao longo desses 10 meses já esgotou suas reservas com testes de medicamentos.
Ah, vale ressaltar tb que a família do marido não tem posses e o marido não é muito atuante no suporte a Maria e as filhas (provavelmente uma questão cultural).


Então, depois desse blablabla todo, como se pode fazer pra ajudar?
O site pra doações está fechando hj. Lá tem o vídeo que mencionei anteriormente e pode-se se doar, em dólares, por cartão de crédito internacional. Acho que é a forma mais transparente pois vc pode doar e se identificar. E é bem facil tb.


Na conta de Maria (o titular da conta e um primo dela)
Kleber Noberto de Amorim
CPF: 696627384-87
BANCO SANTANDER (BRASIL) S\A 033,
Agência: 4015
Conta: 01.000483.8
Neste caso, peço pra que me enviem o comprovante da tranferência ou do doc pra termos o controle do que está sendo doado. Maria não tem muito tempo pra nos atualizar as doações que entram.

Maria tb mantém um blog onde relata sua saga desde o início do tratamento da Lana:
http://lanafuller.blogspot.co.uk

E aí vc me pergunta se entre dois filhos, um marido, um emprego, organização de festas e dois cachorros, eu não tenho já muita coisa pra me preocupar na vida. Sim, tenho, mas de alguma forma essa causa me tocou profundamente. Olho as fotos de Lana e penso imediatamente nos meus filhos e na saúde plena que eles possuem. E acredito VERDADEIRAMENTE que esta pode ser uma forma de agradecer a Deus tudo que tenho.

Conversando com uma amiga sobre isso, ela me disse: o que importa é se importar.

Ainda acredito na bondade e na caridade.
Ainda acredito no outro.
Ainda me importo.

E se vc tb se importa, me ajude a ajudar a Lana. Só R$ 10,00 já farão a diferença.
Bjs

Sandra

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Reencontro

Texto antigo na gaveta dos achados e perdidos. Um pouco coberto de pó, mas repleto de luz. Quer falar. Sai da gaveta e se mostra. Por si só.

Já era tarde e ela continuava sentada, sozinha, no meio do todas aquelas pessoas. Como ela estava dirigindo – a promessa é que ela o levaria de volta pra casa, já que marcaram em lugar perto – se permitiria somente um chopp, no início do papo, que ela esperava ser evaporado durante o passar das horas. As pessoas deveriam se questionar o que ela estava fazendo ali sozinha – sentada em uma mesa no fundo do salão, entre casais e grupos de amigos animados, se distraindo nos joguinhos do celular e bebendo água, ora olhando pra rua, ora pra TV de plasma a sua frente – enquanto o burburinho do início daquela sexta-feira ocupava aquele bar lotado na Zona Sul. Ela estava esperando – não tinha como disfarçar, estava ansiosa – ele chegar.

Há quanto tempo não se viam? Uns 4 anos, pelo menos?... A última vez, havia sido na calçada, numa noite de verão, em frente à farmácia: ela voltando a pé pra casa, ele conversando com um amigo. Uma troca de poucas palavras e sorrisos, meio desconexos e travados, e menos de cinco minutos depois cada um voltava para dentro do seu universo: onde o outro não pertencia mais, já fazia um longo tempo...

Ela, por conta de uma informação profissional, tomou a iniciativa de procurá-lo. Um encontro casual pela internet resultou em horas de bate papo, primeiro na tela, depois pelo telefone. Foi bom rirem novamente juntos, descobrirem o que haviam feito nesse período de total ausência, e descobrirem que, por mais que a passagem de um na vida do outro houvesse sido desastrosa, ainda restaram muitas coisas boas para se lembrar... deu uma vontade de estar junto novamente...

Finalmente, ele chegou e veio em sua direção... Parecia feliz em reencontrá-la... Os cabelos grisalhos acentuaram a certeza de que, apesar da ansiedade insistir em transformar em segundos, foram muitos os anos de ausência... Sentiam-se adolescentes, quando ela, enfim, pediu o chopp e brindaram ao reencontro...

O papo foi interessante. Falaram sobre quase tudo – os anos que passaram e o que fizeram, novos amigos, novos amores, trabalho, situações divertidas e perdas... e sem mais nem menos, no meio daquele burburinho e tintilhar de copos, ele a olha no fundo dos olhos e  fala do que sentiu. Do que sofreu, do que chorou. Do quanto ela foi importante, do quanto duvidou de tudo. Ela chorou. Chorou pelo que esqueceu. Pelo que fugiu, pelo que perdeu. Chorou pelo que duvidou.

Ela achou bom poder sentir os dedos entrelaçados novamente. Se olharem sem mágoas. O tempo havia sido sábio, toda dor havia ficado pra trás e eles podiam estar inteiros um em frente ao outro novamente. Era um ponto final. Podiam enfim, continuar.

Nem que fosse continuar cada um com a sua vida, com as suas escolhas. Mas estar em paz com aquela parte tão turbulenta de suas existências, estar em paz com seu interior, estar em paz com o Universo. Continuar, cada um com seu caminho, mas de fato admitindo da importância inquestionável que um teve na vida do outro. “Closure”.

Saíram dali ainda atônitos. Na porta de casa, a hesitação do que fazer: não, ela não queria que ele se fosse de novo. Não, ele não queria perdê-la de novo... E então, ele se afastou andando... e se foi.

E dirigindo de volta pra casa, ainda atordoada, olhou pro céu e avistou a lua. Estava cheia, linda, redonda, robusta - bem em cima da sua cabeça - e parecia abençoar aquele reencontro.

Enfim, poderiam retomar suas histórias.

Ou começar outra nova.

Novinha em folha.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Kids and grown ups


Muitos foram os motivos para hibernar a escrita. Emoções não me faltaram: a gravidez e a chegada da minha filha seriam, sem dúvida, acontecimentos ímpares para serem retratados, porém, de tão importantes, foram poupados dos holofotes. Agora que a rotina novamente se acomoda, sinto falta do teclado e da atividade blogueira. Eis aqui a minha retomada, ainda que lenta, porém, não menos intensa. Seguem minhas últimas linhas e minhas últimas lágrimas, no retrato da passagem do meu príncipe para condição de vice-rei (inevitável o trocadilho...). Ele cresceu e os desafios são outros. Que venha 2013 e seu reinado!

 
Li no blog de um amigo, certa vez (http://natampadacaneta.blogspot.com), que enquanto buscava a creche para sua filha, procurava o que ele próprio havia tido na sua infância: uma segunda casa. Pois a descrição para o lugar que escolhi para a educação do meu filho não poderia ser mais apropriada! Então, plagiando meu amigo e como ele, acertando felizmente na minha escolha, posso afirmar que a Kids foi a segunda casa do Frederico.

Lembro-me que visitei outras creches, mas a acolhida com que fomos recebidos foi tão grande que não me restou nenhuma dúvida: era ali que eu - marinheira de primeira viagem – gostaria que meu maior bem estivesse, enquanto eu não estivesse por perto... E foi na Kids que vi meu menino crescer, se desenvolver, aprender a andar, aprender a falar e mais recentemente, aprender a ler e a escrever suas primeiras palavras.

Ao longo desses seis anos juntos vocês sempre estiveram ao meu lado em todos os momentos, me orientando e me apoiando, para que o Fred pudesse se tornar o menino que é hoje: carinhoso, educado, prestativo e solidário, muito embora a sua natureza agitada e ansiosa às vezes fale mais alto. Na Kids ele e eu fizemos grandes amigos, daqueles amigos que se leva pro resto da vida...

Por tudo isso que não pensei duas vezes com a chegada da Mano: é neste ambiente de alegria e paz que quero que minha filha também cresça. Quero para ela as mesmas lembranças felizes que o irmão terá, quero para ela as mesmas emoções, as mesmas festas, as mesmas conquistas, as mesmas vitórias.

Hoje são novos caminhos (ainda que inesperados) para meu pequeno homem. Novos desafios – nova escola, novas rotinas, novos amigos... Uma nova caminhada, mais longa e que está apenas no início...

Mas tenho certeza que – assim como eu - ele sempre lembrará com alegria e carinho, da casinha azul e rosa – aquela segunda casa - onde ele viveu feliz a sua primeira infância.

E sentirá saudades.

E cada vez que isso acontecer, sentirei meu coração de mãe sorrir: será a confirmação do quão acertada foi a minha escolha.

 

Mais uma vez o meu muito obrigada.

A mãe do Fred

quinta-feira, 19 de abril de 2012

SURPRESA!

Meus textos sempre vêm na minha mente nos dias em que vivencio grandes emoções, é fato. Tudo bem, As Arteiras têm sugado todo meu potencial criativo no momento, mas eu não poderia deixar de traduzir meus sentimentos em palavras, depois da noite de quinta passada, que me deixou com uma tremenda ressaca emocional de felicidade.
Era aniversário da minha amiga Viviane e estávamos embrenhados em uma árdua missão. Semanas antes, eis que surge um e-mail do Marcelo (ex-marido, amigo e pai de seu filho) nos pedindo pra organizar uma festa surpresa pra ela. Xande nasceu dois dias após o seu aniversário e desde então essa data vem sendo relegada a segundo plano. Nada mais justo que nossa amiga tivesse “aquela” festa, com direito a buffet, DJ, decoração e tudo mais que um aniversariante de 3.5 pode ter. Conto com a ajuda da Vane, fiel escudeira, economista, toda organizadinha, responsável pelas contratações. Me deixa com a parte mais gostosa da decoração, por favor!
Foram semanas trocando e-mails, checando pendências, quem ficou responsável pelo que, olha a lista de convidados, avisa as outras mães, não dá mole que é surpresa. Cecília deixar escapar, num dia na pracinha, sobre o presente coletivo. Vivi ainda pergunta do que estamos falando, mas Cecília louca inventa um “exame coletivo” (tenso) e disfarça.
O mais interessante de toda essa estória era a logística arquitetada pelo Marcelo. Viviane estaria em casa enquanto nós trabalharíamos como foragidas, no seu próprio play, numa versão tupiniquim de “Dormindo com o Inimigo”. Eu e Vane ainda perguntamos o que ela faria naquela noite, sugerindo até nosso costumeiro pastel no Adão, mas recebemos algumas desculpas esfarrapadas. Em nenhum momento ela nos contou dos seus verdadeiros planos – a ida ao teatro. Com Marcelo, é claro.

Na noite anterior, uma bomba – Cris me liga meio aflita, dizendo que tinha tido um probleminha com o bolo...
Cheguei cedo e pra tornar a coisa toda mais divertida, o senhorzinho da portaria era meio enrolado. Não me deixou entrar com o carro – “mas moço, eu preciso descarregar” – nem o cara do Buffet, nem a Vane com o restante das coisas (que incluíam barrinha de cereais e torradinhas light)... Depois, manda as chaves do salão, mas não da cozinha, peço a chave da cozinha, mas não manda as do banheiro. Grávida e banheiro são inseparáveis, lá vou eu perguntar sobre as chaves do banheiro... “A senhora não pediu”, como se ninguém precisasse ir ao banheiro durante uma festa... Dia quente, muito quente, torpedos do Marcelo a toda hora, tensão.

Vane me ajuda nas coisas que acho que ela é capaz. Fui acusada mais tarde de ser chatinha, afinal, ora bolas, existem talentos e talentos. O da Vane, definitivamente, não incluía colocar as florzinhas nos potinhos.
Finalmente sete horas e as pessoas foram chegando. Vito ficou com a árdua tarefa de buscar Fred e Juju na creche e depois nos contou a saga de controlar os pequenos no táxi, visto que a excitação deles para a festa surpresa – de quem era a festa, onde seria, vai ser na casa de festas – era a maior do que a de todos nós juntos.
Todos foram chegando... Não sei como Vivi não escutou a gritaria da criançada no play.
Chegado o momento torpedo do Marcelo, era pra todo mundo aguardar no hall do elevador. Abre-se a porta e aquele grito de “surpresa!” -  a cara da Vivi de espanto querendo nos convencer que sabia de tudo... Beijos, abraços, parabéns pra vc, mas ela não tinha noção que havíamos preparado muito mais praquela noite.
Vivi não pode conter as lágrimas quando viu a festa toda pronta.
Vane, a DJ da festa, preparou um setlist, que como disse Bochecha, não era de Deus. Uilliam assume o posto de barman e logo, logo várias caipirinhas de morango são servidas. As crianças correm ensandecidas pelo play, já sem camisa e descalças. Juju entra em crise de identidade ao ser barrada numa foto, a confraria dos homens já se reúne, e nós, as mães malucas, entre um crepe e outro, vamos curtir o som de nossa adolescência e juventude. Rolou passinho, break dance, Trinere, “take me in your arms” e aquela que por osmose habitou nossa mente durante o resto da semana: “my love, my girl, just like the wind”, do Tony Garcia – aquele, que ninguém sabia sua verdadeira nacionalidade. Hilário foi ver Bochecha dançando como a Phoebe de Friends, Vivi e Cris se acabando ao som da Pitty. Revendo as fotos, não tem como não conter o riso. Acho que as únicas sóbrias éramos eu e Manoela...
Vane senta no chão e começa a chorar... Bochecha, já bêbada, se senta ao lado dela tentando consolá-la, dizendo que era assim mesmo, que daqui a pouco ela e Gustavo fariam as pazes. Aninha não sabia que Vane estava chorando pq o Emelec havia virado o jogo nos últimos segundos e desta forma, o Flamengo havia sido eliminado das libertadores.
E de repente, Bochecha chora. Chora pq o Bruno é vascaíno e operou o joelho. Chora pq o cara da Oi TV não quis completar a instalação na sua casa e quis chamar a polícia. Chora pq a mistura de ansiolíticos e 5 caipirinhas nunca poderia dar certo. Chora pq Viviane diz que é pra ela não cortar a franja (como naquela combinação, já conhecida, de episódio de Glee mais garrafa de vinho). Chora pq está carente, chora pq alguém tinha que chorar naquele dia.
Bochecha vai pro banheiro com a Fer e horas se passam até que alguém se dê conta de que as duas estão tempo demais por lá. Enquanto Bochecha chorava (e dizia que ira morrer) Fer a consola, a lembra que tinha um filho pra criar, blábláblá, e sorte dela não ser eu pra lhe dar um tapas e mandar ela parar com aquela palhaçada...
Toca Michel Teló pras crianças, pra ver se ninguém vê Aninha sendo carregada pro carro. Enfim, Bernardo adorou a idéia de dormir na casa da Juju (“pq minha mãe desmaiou, tia Cris”) enquanto levavam Bochecha pro hospital, pra tomar glicose, quase em coma alcoólico.
Enfim, saldo da festa positivíssimo. Tudo deu super certo. Felizes e exaustas pela trabalheira física e emocional que nos rendeu essa festa.
Ano que vem, tem mais. 
Afinal, Vivi merece.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Álbum de fotografias


No meio das caixas ainda desembaladas, no meio do projeto de um novo lar, vejo, dentro de uma sacola, um álbum de fotografias. Poderia dizer que foi o acaso, mas você bem sabe que a curiosidade geminiana foi a responsável por tal investida.
Não, não se preocupe. Conheço os seus limites e, sobretudo os meus. Não vou além do que me permito.
Desfolho cada página, das poucas que restaram daquele álbum velho. Aquele de espiral, onde as fotos eram cobertas por folhas de plástico colante... que tinha uma foto de montanhas com neve na capa e uma contra capa azul... Algumas dessas fotos você tinha me mostrado noutra noite, se lembra? Você riu ao se lembrar das suas histórias...
Acho as suas fotos de bebê em preto e branco e me pego imaginando como serão as feições daquele que daqui a pouco irá chegar... Me pego analisando a sua beleza de menino, sua postura de rapaz, quase um adulto – quando os cabelos ainda eram dourados e cacheados, quando as roupas ainda eram estranhas, quando as responsabilidades não eram tantas...
Enfim, na busca de algo que definitivamente me lembrasse você consigo identificar aquele sorriso, lindo - talvez a única semelhança com o que ainda tenho.
Vejo fotos de um noivado. Vejo fotos de gente que não conheço.  Vejo fotos que não deveriam ser vistas (risos). E no afã da busca – busca pelo quê efetivamente não sei, algo seu, algo que reconheça como seu – vejo fotos de você. Vejo fotos de outras pessoas. Vejo fotos de outras pessoas com você. Vejo outras fotos de você, mas... era mesmo você?
Por mais que me esforce, não o reconheço. Tento vivenciar aqueles momentos, me transportando pra eles, tento sentir as emoções deles. Não posso. Talvez, porque naquele passado tão distante, onde éramos tão ausentes da presença um do outro - onde já existia uma saudade daquilo que não se conhece, uma ânsia da busca pelo que não se sabe – ainda não havia se formado esta estranha ligação que temos, e que mesmo que quase dissolvida por longos anos, às vezes, ainda me causa espanto... Ali não havia um mínino de “eu” na sua vida. Trato de afastar aquele pensamento egoísta, lembrando-me também dos meus próprios álbuns e das diversas fotos onde o tempo não permitia nenhuma presença sua...
De fato, compreendo que quem ali estava não era você, apenas uma parte... apenas aquela parte de experiências vividas. Apenas aquela parte da sua juventude. Apenas um pouco daquilo que hoje você é.  E se não houvesse aquela parte? Hoje, não seria você. Tudo o que você viveu te transformou no homem que é hoje. Nada poderia ser mudado. Sua vivências - as pessoas, as dores, as alegrias – são as grandes responsáveis pela formação do seu ser. Não poderia ser diferente. Não era pra ser.
Você chega, olho pra você. É aquele sorriso de menino ainda, são os mesmos olhos, a mesma postura, mas diferente, mais completo. Adulto. Pleno.
Que bom. Que bom termos vivido tudo o que vivemos para sermos o que somos. As experiências, assim como as fotos – e as lembranças, e as pessoas, e as dores e as alegrias – irão, certamente, se amarelando e um dia se transformarão também num álbum velho – como aquele dentro da sacola – e só conseguirão retratar parte do que um dia fomos, ainda que tão importantes e tão dentro de cada um de nós.
Mas o sorriso, a essência, essa ainda estará ali, mesmo que confundida e camuflada pelos anos, pelas rugas, pelos vícios, pelos apegos e pelos cabelos brancos.
Fecho o álbum, devolvo a sacola para o lugar a que pertence. Sorrindo, entendo, finalmente o porquê de tantos desvios. Agora sim, estamos completos para vivermos o que for necessário.
Você voltou. Que bom.
Enfim, compreendo.
Agora sim, tudo está bem.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Sopro de vida

Frederico me pergunta onde estamos e se ali seria a festa da Bisa. Respondo positivamente, subindo as escadas do casarão colonial avarandado, ainda apreensiva em saber como seria a sua reação. Fomos entrando e dando boa tarde pras pessoas que encontrávamos: velhinhos vendo TV aconchegados em suas poltronas e colchas quentinhas, alguns em suas cadeiras de rodas, enfermeiros, acompanhantes e parentes. Seguimos pelo corredor até o quarto da Bisa, que continuava deitadinha na sua cama, perto da janela, aguardando a chegada do seu vestido de festa.
Há muito tempo gostaria de escrever sobre sua vida, e acreditava que isso aconteceria quando ela se fosse. Mas minha avó tem sido muito mais forte do que se imagina e tem vencido os anos de forma corajosa, serenamente é verdade, mas com uma força inexplicavelmente superior a qualquer entendimento humano. Ela completou 91 anos neste último sábado. Minha tia, aquela que vive e dedica sua vida a cuidar dela, fez uma festa de aniversário lá no Solar, sua residência nos últimos tempos.
Naquela tarde, eu me contive por vários momentos para não chorar desesperadamente. Minha razão - por mais que eu me esforce - não consegue ainda compreender o porquê da vida ter que seguir desta forma e qual o propósito divino para esta tão longa caminhada. Porque uma “nesga” de vida ainda se alonga, com tanta dor, tanto sofrimento – e me questiono, ainda, se existe alguma dor e sofrimento nela, diante do estado de alienação constante desses últimos anos. No meu egoísmo, me pergunto que tipo de comemoração era aquela, se era correto que eu me sentisse realmente feliz por tê-la mais um ano conosco, naquele estado de inércia e ausência de lucidez, quase vegetativo.
O que sei da sua história (e que é parte pregressa da minha) é o que me lembro dos seus relatos e o que ouço, nos bate papos informais com minha mãe e minha tia. Mas seus pensamentos, lembranças e memórias estão todos há muito tempo prisioneiros na sua cabecinha, que ainda exibe a penugem de cabelos finos prateados, e me fazem recordar da minha infância, quando ela usava um shampoo cinza da L’oreal que deixavam seus cabelos lindos.
Ela foi fruto de um amor clandestino da minha bisavó com um árabe, é o que dizem, mas levou o sobrenome do padrasto. A prova da paternidade estrangeira estava em forma das cartas que Salomão a enviava, que mais tarde seriam destruídas pelo enteado. Foi criada por outra família, como rezava o costume nordestino de dar as crianças para viverem com parentes ou amigos. Me lembro dela me contando sobre a única boneca que tivera – um bebê de louça, que em algum momento não tiveram o devido cuidado e deixaram cair e quebrar. Me lembro dela me falar – quando eu já era moça – sobre um tal de Dedé, rapaz por quem ela foi apaixonada na adolescência.  Me lembro dela me levando pra dar arroz pros pombos no Largo do Machado, me lembro do macarrão com frango dos dias de domingo. Me lembro, já no avançar lento e cruel da senilidade, dela sentada na minha cama, remexendo seu tesouro - a sua caixinha de remédios.
Apesar de curiosa, sua história não teve nada de glamour. Casou-se, aos 17, um senhor viúvo de 50 e que tinha um filho de 18. Interesse? Não, meu avô não tinha dinheiro, não tinha posses, não tinha nada. Ele havia sido a única saída para aquela jovem, que não tinha família e vivia de favor na casa do irmão e da cunhada. Logo nasceu minha mãe. Depois, minha tia. Ainda me lembro da forma carinhosa e respeitosa como se referia a meu avô: sempre o chamou de “Seu Ricardo”. Meu tio nasceu, temporão, quando meu avô tinha 72 anos. E uma vez ela me confessou que “Seu Ricardo” só havia a “deixado em paz” após um incidente no banho, quando escorregou, quebrou a bacia e ficou acamado. Mesmo assim, ciumento como era, quem chegasse perto dela se tornava alvo certeiro das suas bengaladas, mesmo em cima da cama. Ela ficou viúva aos 54 anos e mesmo sendo nova, parece que já havia se acostumado com a privação e aceitação da forma em como a vida seguia, e não se casou novamente. Se ela foi feliz? Acho que sim. As pessoas acabam achando a felicidade simples na maneira como a vida é imposta.
Começou com leves esquecimentos, a perda da habilidade motora pra algumas coisas, algumas internações. Depois, a hipocondria, e a tentativa maluca de contenção da doença com novos medicamentos, esquecimentos totais. Diagnosticaram ser Alzheimer. Mas, pelo pouco que sei, Alzheimer não permite a memória recente e ainda me lembro dela chamando pelo Frederico, após os dias de visita na casa da Bisa, onde ele, ainda de fraldas, subia pela cama e por cima dela, para enchê-la de beijos e carinhos.
Frederico volta do salão de almoço com as mãos cheias de salgadinhos. Pouco tempo e ele já se sente em casa, conversa com os outros velhinhos, deitando na cama deles, e sai pela porta do quarto, aventurando-se atrás da “tia-dinha” pelos corredores do Solar. Minha mãe, o vestido e o bolo chegam, e minha avó é arrumada pra festa: vestido florido, cabelos penteados, sapatinhos de lã, como aqueles de bebê. A colocam na cadeira de rodas e é levada para o salão, onde um senhor também de cadeira de rodas é nosso DJ. As músicas variam de várias versões do “parabéns a você” aos mega-hits de Chiquinha Barbosa – o aniversário da minha avozinha era o acontecimento do dia para todos no Solar.
As perguntas do meu filho são muitas: porque a Bisa faz “assim” com a língua, se ela fazia isso também quando era nova, como ela fazia para passear, como ela pedia pra ir ao banheiro, como ela comia, se ela estava chorando - ao avistar uma lágrima que caía dos seus olhinhos quase sem cílios. “Ela está emocionada, Frederico” - Tia-dinha havia explicado, e depois de outras tantas explicações, ele chega a humilde conclusão de que alguma coisa no cérebro da bisa tinha se quebrado, por isso ela hoje vivia como bebê.
Na hora dos parabéns, a pergunta: “Quem vai apagar a vela, mamãe?”
Respondo: “Você, meu filho.”
E só posso concluir, daquele encontro de gerações, que ao soprar as velinhas dos 91 anos da Bisa, Frederico havia lhe dado toda a energia e alegria da sua juventude e certamente, como num passe de mágica, mais alguns longos anos de vida.