domingo, 24 de outubro de 2010

Os três mosqueteiros

E estávamos ali, os quatro novamente.
A minha esquerda, meu imperador de cabelos prateados. A ele, reservarei poucas palavras. Pra falar sobre sua vida e a minha, seria necessário um post inteiro. Ele foi o último a chegar no grupo. Posso falar sobre ele depois.
Na minha frente estava ele. O conheci na fila da matrícula da faculdade. Eu havia ficado em terceiro lugar no vestibular – ele, em segundo. O seu sorriso doce de adolescente ainda estava ali nos seus lábios, como no primeiro dia em que o vi. Ele tá usando barba, agora. Antigamente, ele raramente usava barba, seu emprego não permitia. Só o via de barba nas loucas semanas de entrega de projeto, em que nem banho direito a gente tomava. Nos encontrávamos as dez da noite na porta da faculdade com aquele aspecto “zumbi” de semanas em cima da prancheta. Ele usa os cabelos agora penteados com gel, escondendo uma leve calvície que ele teima em negar. Os anos poderiam se passar na velocidade da luz que ele permaneceria com o mesmo aspecto jovial de sempre. Agora, sempre espremido entre indas e vindas e compromissos profissionais, ele era um dos maiores exemplos que qualquer pessoa poderia ter: na vida, na carreira - teve a ousadia de quebrar padrões e enfrentar gigantes, sempre com seu sorriso doce de adolescente. Hoje, olhando pra ele sentado a minha frente, me pergunto, quando foi que eu passei a não desvendar mais a sua mente. Quando foi que perdi aquele link que tínhamos. Quando foi que aquela foto que tem no seu escritório, ao lado do seu computador, foi ficando amarelada – aquela, daquele réveillon de mil novecentos e tantos, onde eu, ele e mais o outro estamos largados nas areias de Copacabana, como em tantos outros réveillons de nossas vidas, com a aquela rosa branca nas mãos. Certamente, a minha vaidade e egoísmo de juventude haviam contribuído muito pra que seus pensamentos e sentimentos fossem se transformando em névoa e mistério pra mim. É como dizem: ninguém é tão igual a você em sentimentos mais íntimos pra entender seus pensamentos em plenitude. Eu só gostaria que ele soubesse – e tenho certeza que, no fundo, ele sabe – o quanto senti e sinto falta daquela cumplicidade que um dia compartilhamos.
A minha direita estava o outro. Esse eu conheci no vestibular. Na prova de habilidade específica, entre papéis e lápis de cores, pra ser mais precisa. Com seu jeito marrento, já começou me esnobando, e daquele momento em diante, não pude mais viver sem ele. Ele foi meu namoradinho de faculdade, meu parceiro de projeto, meu amigo, meu vizinho, meu confidente, meu padrinho de casamento. Compartilhávamos pranchetas e projetos de vida, noites em claro ao som de ”Fantasy” da  Mariah Carey, inúmeros porres, segredos e intimidades. Posso dizer que se tem uma pessoa que me conhece bem, é ele, mesmo que estejamos em pólos diferentes no hemisfério. Ele foi o cara que conseguiu traduzir, com uma frase apenas, todo sentido da verdadeira amizade. Em uma das inúmeras vezes em que eu estava fazendo merda – e não foram poucas – ele me disse: “Sandra, você vai se f#der mas, tô aqui segurando a sua mão”. Não precisei de mais nada na vida naquele momento. Só da sua mão segurando a minha.
E, como daquelas coisas inusitadas que a gente acha que nunca mais vai acontecer na vida, estávamos nós quatro, novamente, compartilhando copos de chopp, boa comida e risadas. Mesmo sendo outros projetos e outras experiências de vida - cada um com suas próprias, vivenciadas em todos aqueles anos de gap - tenho certeza que todos nós carregávamos aquela euforia e felicidade adolescente de estarmos juntos novamente.
O próximo encontro vai ser no Rio Sul, pra tomar uma taça Viena. Por que estamos com saudade da época que matávamos aula pra ir pro Rio Sul tomar uma taça Viena. Estamos com saudades das nossas noites no Trombada, nossas nights no Resumo da Ópera. Saudades das viagens a Iguaba, saudades do point da praia no Leme, dos chopps no Sindicato, das festinhas surpresa de aniversário...
Tava com saudades dos meus mosqueteiros. Tava com saudades desses momentos leves com pessoas tão importantes. Tava com saudades da minha juventude, saudades dos meus amigos. Saudades daquilo que ficou lá atrás, daquilo que compartilhamos na melhor fase das nossas vidas. Saudades de estar com pessoas tão minhas, apesar de toda a distância. E, como me disse um deles, num torpedo no finalzinho do dia que me arrancou lágrimas, saudades disso – isso tudo – que a gente não constrói com qualquer um.

Para Vito, Cores e Possi.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Tratamento VIP

Embalada nesse clima meio místico, meio "Nosso Lar", lembrei de uma história por mim vivenciada há algum tempo atrás. Longe de mim as críticas a qualquer religião. To apenas retratando aqui uma experiência que tive, como outra qualquer. Minha mente sempre foi aberta a todas a religiões e suas práticas, mas confesso que sempre fui muito mais adepta a doutrina espírita e esotérica do que as outras.
Não sou estudiosa, nem praticante, nem defensora. Sou apenas curiosa.
E como a curiosidade sempre foi inquietante em minha alma, essa constante busca do não-sei-o-quê, me faz parar uma certa vez - num desses surtos de busca de paz de espírito e consolo - num centro de umbanda branca, bastante conhecido, perto de um grande shopping no subúrbio do Rio.
E lá fomos nós, eu e minha fiel escudeira Michele, amiga de fé e irmã camarada, no intuito da tão sonhada limpeza de alma, através dos passes magníficos que este lugar proporcionava. Sempre tem alguém que diz: ah, vai sim, eu já fui lá, é muito bom!
Michele, com suas crenças espíritas bem mais enraizadas que as minhas, me confirmou a idoneidade e eficiência do lugar, pois também conhecia outras pessoas que já se haviam beneficiado daquelas emulsões de luz e energia...
Chegamos cedo, mas a fila já estava enorme. Era dia de atendimento de caboclo. Cada dia tinha uma entidade que atendia: tinha dia de vovó, de preto velho, essas coisas que não entendo. O lugar parecia uma igreja enorme, com uma grande platéia e um palco bem grande. Neste palco os mediuns trabalhavam, todos eles vestindo branco, todos eles no palco, atendendo ao mesmo tempo. Pegamos uma senha, todas felizes, afinal estávamos ali doidas pra dar um trato no nosso espírito.
Antes porém, tentando usar um pouco de educação e simpatia, fomos na sala da "gerência" pra saber como funcionava o esquema, se tinha que pagar alguma coisa, como era o trabalho que eles realizavam...
O gerente do lugar, a princípio, nos recebeu com um ar meio arrogante, meio autoritário. Não sei o que se passou na cabeça dele. Ele percebeu, obviamente, que não éramos dali. Não sei se ele achou que estávamos ali pra investigar ou testar alguma coisa. Bem, a conversa foi evoluindo e depois ele percebeu que éramos do bem e, por sermos novas e completamente estranhas naquele ninho, disse que nos daria tratamento VIP.
Lá fomos nós, eu e Michele, pro salão, no aguardo de chamada do nosso tão esperando número de senha. Tinha gente pra cacete. Muita, muita gente esperando. E nós também. A empolgação já tinha deixado o ambiente há muito tempo. Nem mais papo a gente tinha.
Já eram quase 22h da noite - detalhe, chegamos por volta das 18h - quando a pessoa que organizava as senhas, falou que era pra todo mundo subir no palco, que não ia mais seguir senha nenhuma. (como assim?)
Já estávamos exaustas, tiramos os sapatos e entramos numa fila.
Comecei a pensar que aquela limpeza deveria ser boa mesmo, visto que nós estávamos há horas esperando ali. Lá no palco, observamos os médiuns e as pessoas que eles atendiam. Tinha um coroa lá que todo mundo que ele atendia começava a dançar, meio que entrava em transe, a receber santo. Michele me disse que ele chamava pelo santo da pessoa, que ela não queria ser atendida por ele, não.
Comecei a sacanear a minha amiga, e dizer que na hora que ela fosse atendida, a pomba-gira dela iria incorporar e ela ia começar a sair rodando, e eu ia sair correndo e deixar ela ali sozinha. Ela só me dizia que não, nada haver, isso não iria acontecer mesmo.
De repente, o tal gerente subiu no palco, falou com a moça das senhas - que a esta altura também já estava dando atendimento - e apontou pra nós duas.
Suei frio.
A moça pediu pra que nós saíssemos da fila.
Falei: “Michele, f#deu. Devemos estar muito carregadas, amiga. Tiraram até a gente da fila”.
Começou aquele misto de riso e nervoso, cansaço de mais de 4 horas de espera e medo - aquele cagaço do desconhecido, medo das forças ocultas, medo do castigo divino, medo da minha alma não merecer aquele olhar espiritual...
Resumo da ópera: Fomos as últimas a ser atendidas.
Michele foi primeiro. O atendimento dela foi rapidinho - como assim? ela tá mais limpa que eu?
E lá fui eu. Quem me atendeu foi a moça das senhas, que incorporava o chefe dos caboclos daquele dia. Me falou algumas coisas meio óbvias - quem procura esses lugares sempre busca um conforto espiritual, uma frase amiga, um chocolate, enfim, qualquer coisa pra dar aquele ugrade no ânimo. Depois veio uma criança e depois um desses homens de povo de rua. Cara, minha cabeça embananou e não sei se era cansaço, não sei o que era, mas o cara lá me mandou fechar os olhos e começou a cantar uma música. Senti minhas mãos formigarem e um soninho esquisito veio vindo, me senti balançar e um zum-zum-zum na minha orelha... Bem, acabou, recebi um abraço afetuoso da entidade e tratei de sair dali o mais depressa possível.
Quando vi, Michele estava sentada no banco e ria.
Falou que meu santo quase tinha virado.
Eu nem sabia que tinha santo, ainda mais que ele virava alguma coisa.
Nunca mais voltei lá. E nem quero passar perto. Da experiência positiva, só mesmo o mico da noite. Não é a minha, definitivamente.
Fikadika: (como diz minha amiga Aninha) se algum dia for a algum desses lugares, pega sua senha e fica quietinho. Nada de querer fazer social e falar com o gerente. Quanto mais anômino melhor.
E se sua acompanhante tiver alguma noção daquilo que tá falando não tira onda: afinal, Caboclo nos olhos dos outros é refresco.