Antes daquele encontro, éramos
meras colegas. Mulheres que se cruzavam pelos corredores e trocavam gentis
cumprimentos, quando isso. Às vezes, uma ou outra se encontrava na copa e
falavam dos filhos, da vida, superficialmente - naquela superficialidade
confortável das pessoas que não se conhecem profundamente, que não compartilham
nada mais além de café e cinco minutos de bate-papo. Outras estavam ali há
séculos e nunca haviam se visto. Coisas desses lugares grandes e abarrotados de
gente, gente diferente a cada dia - abarrotado de gente que se mantém na sua
confortável superficialidade e anonimato.
Como super-heroínas em uma missão
secreta, todas fomos convocadas para “o chamado”. Me
senti especial, integrada, importante, como se, finalmente, alguém tivesse um
trabalho sério a desenvolver e a minha cooperação e competência fossem
indispensáveis. Mal sabia eu, onde estava me metendo. Aliás, mal sabíamos nós.
Todas nós. Sem saber absolutamente nada do que se tratava, fomos - inadvertidamente, fomos.
E então, estávamos ali.
Desconhecidas, daquele desconhecimento que só era rompido pela proximidade das
cadeiras e do formato circular da disposição das mesmas. E uma a uma fomos
convidadas a entrar no mundo mágico de nossa realidade. Aquele trabalho, hoje
realizo, seria o que de mais importante poderíamos fazer para nós mesmas e,
mesmo sem saber de nada naquele exato momento, umas pelas outras.
Naquele primeiro encontro, saiu
as entranhas. Cada uma de nós despejou o que de melhor e de pior havia dentro.
Foram lágrimas, queixas, orgulho, cobranças, medos, mais lágrimas e segredos.
Muitos segredos. Meus mais íntimos segredos. Os segredos de todas. Nos
colocamos, uma para as outras - onde anteriormente só havia superficialidade e
distância - e mergulhamos no mais profundo de nossas angústias. E quantas
surpresas!... quantas similaridades e quantas discrepâncias e quantas dores...
e como doeu! Se expor, se ouvir, ouvir o outro, sentir a dor do outro...
E naquele exato instante de mais
profunda descoberta, nos tornamos todas cúmplices. Sim, cúmplices. Cumplicidade é aquilo que a gente sente
quando olhamos bem dentro do olhar do outro e sabemos que o outro nos entende e
nos apóia. Não havia mais como não se envolver.
Éramos parte daquele todo, e ele era necessário para que nós continuássemos seguindo
no nosso chamado.
O tempo foi longo e passou.
Algumas não se deixaram tocar pela grandeza do trabalho. Algumas fizeram falta,
outras nem tanto. Algumas nos deixaram pra viver intensamente o motivo da nossa
permanência ali. E pra umas, o chamado foi terapia, pra outras foi brincadeira.
Pra mim, foi o início da minha cura.
Hoje nossa missão foi cumprida.
E nunca mais poderemos passar
despercebidas umas pelas outras.
No corre-corre do dia-a-dia, nos
esbarrões dos corredores, no café corrido da copa, saberemos nós, ao nos
olharmos, o que traduz a nossa alma.
Porque a cumplicidade é assim. E
só quem vive a experiência de se mostrar verdadeiramente pro outro, com suas fraquezas
e fortalezas, vai entender o que de fato é ser cúmplice.
E só quem viveu a experiência e a
liberdade de se expor vai ver o quão gigante cada uma de nós somos - mesmo
dentro desse lugar grande, grande e abarrotado de gente: gente que não se vê,
não se enxerga, não se sente...
Para Gê, Roberta, Tatiana, Aline, Márcia, Maitê, Flavinha, Flaviane, Karla, Patrícia e finalmente Elisa. Sem ela, essa experiência não teria sido possível.
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