terça-feira, 22 de novembro de 2011

Sopro de vida

Frederico me pergunta onde estamos e se ali seria a festa da Bisa. Respondo positivamente, subindo as escadas do casarão colonial avarandado, ainda apreensiva em saber como seria a sua reação. Fomos entrando e dando boa tarde pras pessoas que encontrávamos: velhinhos vendo TV aconchegados em suas poltronas e colchas quentinhas, alguns em suas cadeiras de rodas, enfermeiros, acompanhantes e parentes. Seguimos pelo corredor até o quarto da Bisa, que continuava deitadinha na sua cama, perto da janela, aguardando a chegada do seu vestido de festa.
Há muito tempo gostaria de escrever sobre sua vida, e acreditava que isso aconteceria quando ela se fosse. Mas minha avó tem sido muito mais forte do que se imagina e tem vencido os anos de forma corajosa, serenamente é verdade, mas com uma força inexplicavelmente superior a qualquer entendimento humano. Ela completou 91 anos neste último sábado. Minha tia, aquela que vive e dedica sua vida a cuidar dela, fez uma festa de aniversário lá no Solar, sua residência nos últimos tempos.
Naquela tarde, eu me contive por vários momentos para não chorar desesperadamente. Minha razão - por mais que eu me esforce - não consegue ainda compreender o porquê da vida ter que seguir desta forma e qual o propósito divino para esta tão longa caminhada. Porque uma “nesga” de vida ainda se alonga, com tanta dor, tanto sofrimento – e me questiono, ainda, se existe alguma dor e sofrimento nela, diante do estado de alienação constante desses últimos anos. No meu egoísmo, me pergunto que tipo de comemoração era aquela, se era correto que eu me sentisse realmente feliz por tê-la mais um ano conosco, naquele estado de inércia e ausência de lucidez, quase vegetativo.
O que sei da sua história (e que é parte pregressa da minha) é o que me lembro dos seus relatos e o que ouço, nos bate papos informais com minha mãe e minha tia. Mas seus pensamentos, lembranças e memórias estão todos há muito tempo prisioneiros na sua cabecinha, que ainda exibe a penugem de cabelos finos prateados, e me fazem recordar da minha infância, quando ela usava um shampoo cinza da L’oreal que deixavam seus cabelos lindos.
Ela foi fruto de um amor clandestino da minha bisavó com um árabe, é o que dizem, mas levou o sobrenome do padrasto. A prova da paternidade estrangeira estava em forma das cartas que Salomão a enviava, que mais tarde seriam destruídas pelo enteado. Foi criada por outra família, como rezava o costume nordestino de dar as crianças para viverem com parentes ou amigos. Me lembro dela me contando sobre a única boneca que tivera – um bebê de louça, que em algum momento não tiveram o devido cuidado e deixaram cair e quebrar. Me lembro dela me falar – quando eu já era moça – sobre um tal de Dedé, rapaz por quem ela foi apaixonada na adolescência.  Me lembro dela me levando pra dar arroz pros pombos no Largo do Machado, me lembro do macarrão com frango dos dias de domingo. Me lembro, já no avançar lento e cruel da senilidade, dela sentada na minha cama, remexendo seu tesouro - a sua caixinha de remédios.
Apesar de curiosa, sua história não teve nada de glamour. Casou-se, aos 17, um senhor viúvo de 50 e que tinha um filho de 18. Interesse? Não, meu avô não tinha dinheiro, não tinha posses, não tinha nada. Ele havia sido a única saída para aquela jovem, que não tinha família e vivia de favor na casa do irmão e da cunhada. Logo nasceu minha mãe. Depois, minha tia. Ainda me lembro da forma carinhosa e respeitosa como se referia a meu avô: sempre o chamou de “Seu Ricardo”. Meu tio nasceu, temporão, quando meu avô tinha 72 anos. E uma vez ela me confessou que “Seu Ricardo” só havia a “deixado em paz” após um incidente no banho, quando escorregou, quebrou a bacia e ficou acamado. Mesmo assim, ciumento como era, quem chegasse perto dela se tornava alvo certeiro das suas bengaladas, mesmo em cima da cama. Ela ficou viúva aos 54 anos e mesmo sendo nova, parece que já havia se acostumado com a privação e aceitação da forma em como a vida seguia, e não se casou novamente. Se ela foi feliz? Acho que sim. As pessoas acabam achando a felicidade simples na maneira como a vida é imposta.
Começou com leves esquecimentos, a perda da habilidade motora pra algumas coisas, algumas internações. Depois, a hipocondria, e a tentativa maluca de contenção da doença com novos medicamentos, esquecimentos totais. Diagnosticaram ser Alzheimer. Mas, pelo pouco que sei, Alzheimer não permite a memória recente e ainda me lembro dela chamando pelo Frederico, após os dias de visita na casa da Bisa, onde ele, ainda de fraldas, subia pela cama e por cima dela, para enchê-la de beijos e carinhos.
Frederico volta do salão de almoço com as mãos cheias de salgadinhos. Pouco tempo e ele já se sente em casa, conversa com os outros velhinhos, deitando na cama deles, e sai pela porta do quarto, aventurando-se atrás da “tia-dinha” pelos corredores do Solar. Minha mãe, o vestido e o bolo chegam, e minha avó é arrumada pra festa: vestido florido, cabelos penteados, sapatinhos de lã, como aqueles de bebê. A colocam na cadeira de rodas e é levada para o salão, onde um senhor também de cadeira de rodas é nosso DJ. As músicas variam de várias versões do “parabéns a você” aos mega-hits de Chiquinha Barbosa – o aniversário da minha avozinha era o acontecimento do dia para todos no Solar.
As perguntas do meu filho são muitas: porque a Bisa faz “assim” com a língua, se ela fazia isso também quando era nova, como ela fazia para passear, como ela pedia pra ir ao banheiro, como ela comia, se ela estava chorando - ao avistar uma lágrima que caía dos seus olhinhos quase sem cílios. “Ela está emocionada, Frederico” - Tia-dinha havia explicado, e depois de outras tantas explicações, ele chega a humilde conclusão de que alguma coisa no cérebro da bisa tinha se quebrado, por isso ela hoje vivia como bebê.
Na hora dos parabéns, a pergunta: “Quem vai apagar a vela, mamãe?”
Respondo: “Você, meu filho.”
E só posso concluir, daquele encontro de gerações, que ao soprar as velinhas dos 91 anos da Bisa, Frederico havia lhe dado toda a energia e alegria da sua juventude e certamente, como num passe de mágica, mais alguns longos anos de vida.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

E viva a beterraba!


É o segundo dia e já estou descabelada.
Não sei o que é pior, se a ansiedade ou a abstinência... acho que uma coisa leva à outra, né? E nessa simbiose, quase posso sentir o chocolate derretendo na minha boca, tamanha é a vontade de devorar uma barra inteira. A minha vida toda lutei com a balança – você pode me dizer que não sou gorda, e realmente não sou, mas só eu sei como é difícil aceitar que aquela calça jeans está tendo uma “certa dificuldade” para fechar... a idade colabora, os 17 quilos adquiridos na gravidez também... o bombardeio de hormônios dos últimos meses, idem... então, decidi, mais uma vez, deixar pra trás as guloseimas e a cervejinha noturna diária, e me entregar de cabeça e sem reservas ao alface e a rúcula.
Na primeira vez que me aventurei por essas bandas, há mais de 10 anos, 8 quilos desapareceram por completo, sem muito esforço. Na segunda, foram 4 quilos – e você pode achar que 4 quilos não é nada, mas são esses mesmos 4 quilos que me perseguem desde que Frederico nasceu. Eles não se desapegam. Criaram uma certa dependência comigo, sabe? Rezo todos os dias para que eles caminhem para a luz... Mas, nem reza forte está adiantando...
Confesso que estou um pouco mal humorada, nada diferente do meu normal. Mas imagine alguém mal humorado e com fome? Sou eu. Parece que quando estamos nos reeducando, TUDO passa a ser mais gostoso e mais irresistível ao nosso paladar - apesar de estar me alimentando bem e comendo de tudo o que gosto de comer. Mas num dá, né? Num dá pra gente cair dentro do chocolate, e depois passar fome durante o resto da noite. Num dá pra cair de boca no pudim de leite e depois ficar regulando o pão do lanche... Hoje vai rolar sopinha de lentilha na janta, que faz volume e tem poucas calorias, só pra dar aquela tapeada básica no estômago (que cá pra nós, é meio limitado e muito fácil de ser enganado).
Ele está aqui, bem ao lado, na minha gaveta. O restante de uma barra de Crunch, meu favorito. Na verdade, ultimamente, tenho preferido aquele branco da Hersheys, com pedaços de cookies, mas desde que tirei uma licença do chocolate, ou seja, desde ontem, o Crunch voltou a ser meu favorito. Até porque está a poucos centímetros do meu alcance. Você vai me dizer que isso é tortura, que não irei resistir... mas se tem uma coisa que sou - pelo menos com dieta - é disciplinada. Persistente e obstinada. Não fujo dos meus objetivos. E neste exato momento em que vos escrevo, meu objetivo maior é voltar a me sentir mais saudável e eliminar de vez esses quilos que insistem em me perseguir, apesar dos gritos de socorro do Crunch trancado na minha gaveta.
Claro, estou dramatizando. A luta é árdua, porém, a vitória é líquida (pelo menos seis copos dágua por dia) e certa. Porque na verdade a gente aprende uma vez e sabe e-xa-ta-men-te o que fazer pra emagrecer e voltar ao peso ideal. É só uma questão de foco.
E a recompensa? Será um brownie de chocolate quentinho com sorvete... pra saborear bem devagarinho, de colherinha!
Usando "aquela" calça jeans, é claro!

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Baleia é a mãe!



O alvoroço se deu naquele início de noite, ainda dentro do carro. Frederico sempre “esquece” ou “não sabe” como foi seu dia, mas dessa vez, veio a pergunta, certeira, durante as manobras, já dentro da garagem:
- Mamãe, orca é baleia?
E a minha resposta, enfática, a queima-roupa, sem pestanejar:
- Claro, meu filho!
- Mas, a tia falou que orca não é baleia.
Uma pequena pausa e a mãe (nesse caso, eu mesma) indignada, responde, sem perder a veemência inicial:
- Não, meu filho, orca é baleia SIM.
E ele me retruca, com a mesma convicção, no auge da sapiência dos seus cinco anos:
- Mas a tia falou que não é – e ainda complementa – Ela falou que orca come foca, pingüim...
- Mas é baleia, filho!
- Mas a tia falou que não é...
Silêncio e revolta. Ainda bem que criança muda logo de assunto, mas aquela questão ainda fervilharia na minha mente pelo resto da noite.
Mais tarde, durante o encontro dos “amigõeszões” no shopping, enquete no mundo materno e a pergunta que não quis calar durante todas aquelas horas de sofrimento: seria a Orca uma baleia? Pra mim e para outras mães, o raciocínio era lógico, pois existia até um filme: “Orca, a baleia assassina”. Para outras, não tão convencidas assim, a semente da dúvida foi plantada... E no meio do debate intenso – e eu já pretendia denunciar a escola ao MEC – arriscávamos perguntar às crianças que corriam ensandecidas no meio do shopping, mas nenhuma delas quis nos confirmar nossas suspeitas iniciais, de que uma mutação genética havia transformado a família animal do ser em questão.
Eis que Cris, professora e telespectadora do Discovery Channel, nos informa que a tia estava certa. Orca não é baleia. Orca é da família dos delphinidae, nome artístico dos golfinhos.
Pára tudo! Como assim?
Plutão não é mais planeta, o trema caiu depois da reforma ortográfica e agora a Orca não é mais baleia? Senti como se os anos de estudo no ensino fundamental e médio (que na minha época se chamavam primário e ginasial) escorressem pelos meus dedos e de nada mais valessem.
Como explicado em e-mail posteriormente (mas só me convenci depois de checar o Wikipédia) a culpa foi do tradutor do filme que achou que “Orca, o golfinho assassino” não emplacaria na bilheteria. Quem sabe o sindicato dos golfinhos entrou com recurso e censurou o nome do filme em prol das orcas – na verdade a versão trash dos golfinhos, que não conseguiu trabalhar o sentimento na terapia e descambou pro lado negro da força. Me sinto, assim como alguns amigos com quem compartilhei essa descoberta, como a criança que acaba de descobrir que Papai Noel é na verdade um tio da sua amiga, que sua mãe pagou pra ir na sua casa entregar um presente (fato verídico)... me pergunto como Sérgio Chapelin estará se sentindo com a trágica notícia que abalou o mundo científico, após tantos anos apresentando a vida marinha no Globo Repórter. Meu amor pelos golfinhos, aqueles seres inteligentes e adoráveis, ficou profundamente abalado.
Ramon, meu biólogo favorito e primo, deveria ter me preparado para a notícia.
Com o meu mundo em pedaços sigo, preferindo me voltar para o traço do concreto, que é uma fórmula puramente matemática.
Enfim, baleia é a mãe, não a Orca.
Animal Planet, preciso de você.

Pela polêmica no FB e frases que contribuiram para este texto, meus agradecimentos: Tati, Pedro, Marcelo, Ma, Vivi, Bochecha e Suerda. E a Cris, que me explicou direitinho e tudo passou a fazer sentido.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

E o nome dele é... CONCA!

Sim, Dario Conca, o ex-jogador do Fluminense, atual jogador do Guangzhou Evergrande, da China.  A escolha do nome, não foi devido as habilidades do jogador, nem devido a paixão do Vito pelo Flu, sem dúvida – até porque Frederico é Botafoguense e, seguindo essa lógica, o mais adequado seria nomeá-lo Loco Abreu – mas pela própria sonoridade do nome. Questões fonéticas. Frederico sorriu satisfeito, após a sugestão. Con-ca. C-o-n-c-a. Conca, Conquinha. Gostoso de falar, gostoso de ouvir.
Nos conhecemos numa feirinha dessas de adoção, na pracinha do Bairro Peixoto. Ele estava lá quietinho, no meio do cercadinho, onde outros maiores faziam festa e se exibiam. Mas sua meiguice e carência nos cativaram. Seu nome, até então, era Sexta-feira, alusão ao dia da semana em que foi resgatado. Por ironia do destino, ele foi achado muito debilitado, a uma obra junto ao Arroio Fundo, rio que corre às margens do meu trabalho. Não sei por quanto tempo vivemos assim, lado a lado, sem saber da existência um do outro. Os veterinários dizem que ele tem entre 4 e 5 anos.
Mas tínhamos alguns problemas. Sexta estava em tratamento e só poderia ser adotado depois de 30 dias. Não sabíamos qual seria a reação do macho-alfa lá de casa – e não estou falando nem do Vito, nem do Fred, tô falando do Bambam mesmo. Marcamos um encontro na pracinha no final da tarde, e aparentemente após aquele cheira-cheira habitual, um no rabo do outro, seus rabinhos abanando informaram que haviam se dado bem. Afinal, a primeira impressão é sempre aquela que fica.
Quando Sexta estava pronto pra ser nosso, outro empecilho. Sim, a obra já havia acabado, mas o caos e o pandemônio da arrumação lá de casa ainda não haviam desaparecido por completo. Como receber mais um, quando ainda nos adaptávamos aquela nova casa? Sem tudo ainda no lugar, ficaria difícil prover um novo lar para nosso amigo.
Ainda nos preocupava Bambam ficar sozinho, apesar da incontestável melhora após o convívio diário com Frederico. Passou a brincar de bola, a morder garrafas, coisas que eu nunca havia presenciado antes, nem quando Bobinho estava conosco, muito menos após sua partida.
Aí, quando a casa já estava pronta, veio a minha licença médica. Repouso absoluto em retiro de monge budista por 10 dias. E o nosso encontro foi uma vez mais adiado.
Quando saímos do elevador, naquela noite de domingo, ele foi logo nos receber na porta – simples carência ou um possível entendimento de que seríamos seus mais novos amigos pra vida inteira? Oferecido, já se deitou de barriga pra cima, se derretendo com os nossos carinhos, enquanto cuidávamos da parte burocrática – porém não menos importante – da coisa toda.
A partida foi tensa, o fazendo tremer e chorar dentro do carro, talvez pelo nervosismo do novo, medo do desconhecido, ou simplesmente saudade – saudade do costume, da casa, das ruas do Bairro Peixoto, saudade daqueles que cuidaram dele até então. O revezamento entre meu colo e do Fred, no banco de trás do carro, conseguiu trazer um pouco (mas só um pouquinho) de tranqüilidade para nosso amigo.
Chegamos em casa e Bambam veio nos encontrar. Um ligeiro estresse ao entrar no elevador – “quem é esse que quer entrar no meu elevador?” Bambam deve ter se questionado em pensamento, que se fez entender em forma de latidos imperativos. Reconhecimento da casa, comida nova, novos cheiros, novos amigos – opa, ainda não sei fazer xixi no postinho – mas a simples certeza de que ali não faltaria mais amor pra ele.
Conca dormiu na sua caminha, do meu lado da cabeceira. Bambam ainda está desconfiado, enciumado, lá do alto do seu puff, rosna se Conca chega perto na hora do seu carinho, rouba descaradamente os biscroks do outro, mas certamente logo, logo redescobrirá o prazer da companhia de um amigo.
Bem vindo, Conca, essa é a nossa família! Que cada dia que passa cresce mais um pouquinho...




quinta-feira, 30 de junho de 2011

Arquiteto pra quê?


Sempre achei que todo arquiteto é um pouco artista. Fato este somado à minha pluralidade geminiana e necessidade de exibição, talvez tenha sido o maior motivo na escolha da minha profissão: criação. Essa possibilidade de unir criatividade e produção como forma de vida nos eleva a uma categoria de quase semi-deuses. Traduzir o desejo mais íntimo de um ser vivente e transformá-lo em concreto (ambiente construído) – aliando técnica à estética - nos dá uma sensação de poder indescritível. Como crias, nossos projetos nos são únicos, lindos, indefectíveis. Pode perguntar pra qualquer arquiteto qual seu maior prazer dentro do seu ofício. Todos, em unanimidade, responderão: projetar. O arquiteto que não sente prazer projetando deveria ter seguido a engenharia.
Mas, como tudo na vida, existe o outro lado da moeda. Por projetarmos por inspiração e criatividade, muitas pessoas não levam a sério nosso ofício. Assim como a arte, por produzirmos movidos pelo instinto criativo, muitos pensam que nosso trabalho é fácil. Que é só pedir e pronto: lá está nosso projeto, materializado no papel. Quantas e quantas vezes já escutei: “Me dá uma idéia?”, como se projeto não tivesse que ser amadurecido, estudado, repensado. “Faz pra mim uma plantinha?” como se nosso ofício fosse sinônimo de jardinagem. Vamos explicar de uma vez por todas que pra que uma “plantinha” exista – e pra mim, “plantinha” é sinônimo de planta baixa em escala reduzida – são necessários vários fatores que devem ser considerados e que levamos, pelo menos, cinco anos de nossa vida acadêmica e outros tantos de vida prática e de experiência profissional para torná-la realidade.
Não. Definitivamente, não é só pegar o lápis e o papel manteiga e sair rabiscando qualquer coisa por aí, por simplesmente trabalharmos com emoção e inspiração.
Da mesma forma, quando temos um projeto finalizado, entendam: aquele projeto foi pensado – aquele fluxo, aquela implantação (que depende daquele terreno, daquela orientação solar, das posturas municipais para aquela área), aqueles materiais de revestimento, aquele tipo de cobertura (que dependem dos fatores climáticos daquela região), aquele partido arquitetônico, o tamanho daquele cômodo – TUDO foi estudado minuciosamente antes de se transformar – aos olhos de um leigo - numa simples “plantinha”.
Observação: Outra coisa irritante é a mania que as pessoas tem em dizer: “Mas, dá!”. Minha profissão me permite um olhar espacial diferenciado do seu e existem regras mínimas necessárias para circulação, portanto, se eu digo que neste espaço não dá para colocar todos os seus móveis, é porque não dá mesmo.
É claro, que cada arquiteto desenvolve o projeto a sua forma e pra isso existe a liberdade criativa – imagine só todos os compositores só compusessem um estilo musical? Seria impossível só escutar bossa nova, ou ainda imagine o caos se só se tocasse pagode – cada um terá sua maneira de desenvolver aquele “programa”.  O meu olhar sempre será diferente do olhar de outro profissional, e certamente, acharemos soluções diferentes para o mesmo problema.
Ah, outra observação: o trabalho do arquiteto é uma produção intelectual, única. Se você contrata um profissional da área, é porque você espera que seja desenvolvido um projeto exclusivo pra você. Não queira imitar aquilo que viu na casa do seu amigo, ou aquilo que saiu naquela revista. Se você quer copiar alguma coisa, você definitivamente não precisa de um arquiteto. Inspiração sim, cópia nunca!
E falando dos colegas de profissão, o fato de sermos todos “artistas” e termos visões diferenciadas não me permite criticar o projeto alheio só por criticar. Minha vivência (qualquer que tenha sido) não me permite eu faça prevalecer a minha idéia, só porque é minha. O bom profissional, a meu ver, é aquele que consegue atender a todas as necessidades do seu cliente e que consegue ouvir e aceitar as opiniões, filtrar, digerir as críticas. O trabalho em equipe neste caso é perfeito, pois às vezes estamos tão dentro do projeto que não conseguimos ver soluções para certas dificuldades. Já vivi situações de pura inércia criativa ao me deparar com um problema. Foi só solicitar ao colega pra me ajudar naquele layout e um intervalo pro café, que ele me mostrou a solução: limpa, perfeita, que esteve o tempo todo ali, estampada na minha cara.
Eu, Sandrinha, arquiteta, simples mortal, já tive a honra de trabalhar em parceria com grandes nomes da arquitetura nacional – fica aqui minha reverência ao Índio da Costa e Ciro Pirondi – e desenvolvi um enorme carinho e admiração por esses “monstros”. Ao contrário do que se possa imaginar, não existe nenhum estrelismo em suas personalidades, são profissionais super acessíveis, simples, diretos, dispostos a ouvir e a ensinar, mesmo nas situações mais delicadas (e olha que em se tratando dos projetos em pauta, já foram muitas situações delicadas, rs). Hoje, aprendo um pouquinho de interiores com a Ângela Frota, e tenho certeza que esta troca tem sido muito interessante, não só pra mim, mas para ela e toda a sua equipe (não posso deixar de registrar nossa última aventura em terras cuiabanas). E tenho certeza, que para o sucesso de todos estes trabalhos que desenvolvemos juntos, sempre existiu, acima de tudo, respeito pela minha formação profissional.
Então, é isso. Meu recado está dado. Falo na primeira pessoa, mas falo em nome de todos os colegas arquitetos e não da Sandra, indivíduo.
Vamos lá. Você cliente, você colega de profissão: respeite o arquiteto, respeite o meu ofício. Respeite minha forma de projetar. Respeite meus conhecimentos técnicos e até empíricos, porque não? Respeite minhas idéias inovadoras. Aceite a evolução da tecnologia, da maneira de construir. Não é porque há 40 anos se projeta desta forma que a partir de agora não se possa projetar de forma diferente. Vamos aceitar que cada um tem o seu conhecimento específico. Durante uma cirugia, eu tenho lá conhecimento e profundidade pra questionar os procedimentos do cirurgião? No meio de uma audiência, vou eu questionar ao juiz, ao advogado, ao promotor, a melhor maneira de advogar?
Vulgarmente falando: cada um no seu quadrado.
E o meu quadrado, só para informação, ou faço no AutoCAD.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Calcinhas forever


O blog andava às moscas, é fato. Muitas coisas na minha cabeça, sem tempo nem pra me dedicar aquilo que gosto de fazer: escrever. Ando numa fase meio nostálgica, com saudade de tempos que não voltam. Então, resolvi homenagear aquelas que sempre estão ao meu lado, nem que seja uma vez por ano. Meu carinho, disfarçado em forma de texto, para essas mulheres incríveis: as Calcinhas, que sempre estão presentes nas melhores das minhas memórias.

A que sempre chega por último ou a que ama coca-cola

Me lembro da primeira vez que a vi: estávamos no banheiro da faculdade. Ela tinha acabado de cortar os cabelos compridos e me espantei quando a vi com as madeixas mais curtas. Ela deu aquele sorriso tímido, pelo espelho, estreitando os olhinhos, bem típico dela. Para nos tornarmos amigas ainda demorou muito, foram ainda alguns anos – afinal nos éramos de “patotas” diferentes. Com o tempo, e muito depois de formadas, uma oportunidade de trabalho nos uniu em definitivo: trabalhamos muitos anos juntas. E esse convívio diário – entre cafés e confidências – só solidificou aquela amizade que tinha começado de maneira tão tímida. Vi todos os seus filhos nascerem. Levei um susto quando a mais velha começou a ler e escrever, mas hoje já não mais me espanto com a mocinha que transita pela casa, fã do Restart, navegando na internet. Ela foi a primeira a saber que Frederico tava chegando, foi a primeira a compartilhar e a vibrar com todas as minhas conquistas. Ela é sempre a primeira a saber - e a rir comigo - das minhas derrotas. Ela é aquela que corro pra abraçar na hora que to carente, quando preciso de colo.

A cobrinha
Ela é a amiga de infância da que sempre-chega-por-último. Aquela, de visual gótico, cabelo a la panteras, que só andava de preto e que dançava se requebrando como uma “cobrinha”, no micro vestido de plush. Essa só não ganhou o diploma de arquiteta. Pode procurar, que na lista de presença de todas as matérias, seu nome ainda deve estar lá, assinado.
Essa é feita de luz. Não existe ser mais zen no universo. Alternativa, descolada, inteligente. Merece todo meu carinho, meu respeito, meus aplausos.

A que tem o melhor abraço
Sabe quem também fazia parte dessa ala? Aquela “grandona” que tinha um fusca que levava todo mundo pras nights.  A que fazia enfermagem, trabalhava com cachorros e se achou na arquitetura. Assim como as outras, ainda custamos a nos tornar próximas. Foram muitas viagens – Búzios, Arraial, Cabo Frio, Iguaba, Blumenau - e muitos projetos juntas. Mas somente hoje, depois de muitos anos de convívio que descobrimos nossas verdadeiras essências. Ela me conhecia bem mais que eu imaginava, me supreendo. Não existe - no mundo - melhor abraço que o dela.

Pra nós quatro tudo mudou naquela Oktober de 94, com muitas canecas de chopp, encontros nas horas cheias, marrecos fazendo “qüem” e fotos nos banheiros dos restaurantes. Não nos demos conta, mas ali estávamos fundado “as Calcinhas”.

A Xiboca
A do fusca trouxe a irmã, que fazia administração na mesma faculdade, mas não se misturava com a gente. Mas essa mesma irmã - que toda vez que pode, se lembra de uma fatídica mousse verde que preparei pra um amigo oculto desses qualquer - tomou o maior porre que já vi alguém na vida tomar, lá no cantinho da Barra, com uma tal de “xiboquinha”. Me lembro dela toda lipoaspirada no meu casamento, sem poder nem levantar o braço. Não comparece aos eventos pq tá sempre em feira de óculos. Hoje aguarda ansiosamente a chegada de mais uma menina, pra engrossar nosso time.

A dos cachorros
A primeira ainda trouxe a prima, de riso escrachado, que tinha uma casa na Gávea e promoveu várias festas memoráveis. Ah, ela não fez faculdade, a gente sempre lembra, mas é a empresária mais bem sucedida do grupo. Até hoje espero o open laje de inaguração da sua casa, apesar dela já ter se mudado. Vê-la bebendo cerveja em copo de plástico com as luvas da Minnie numa festa a fantasia é uma das cenas mais surreais que já vi na vida.

A riponga
Tem aquela que parecia meio riponga. Maluquinha da cabeça, avoada, desligada. Aquela que fala pra caramba. Aquela que quase a gente não encontra, mas quando a gente encontra é riso só. Por causa de um professor-sabe-tudo de paisagismo, ela não pode se formar com a gente. No último encontro, teve foto dela comendo osso, pra gente não esquecer que essas coisas, só ela mesmo pra fazer... E a fantasia de medusa?

E daí, foram vindo outras...

A patricinha
A loura patricinha trabalhou comigo e com a que sempre-chega-por-último. Já vivemos coisas que até Deus duvida. Me lembro da gente comendo macarrão na casa do pai dela num jogo do Brasil, ou na sua chácara em São Paulo, ou nas inúmeras noites do terraço do Rio Sul. Me lembro da gente em Búzios, no carnaval mais deprê de toda a nossa existência. Me lembro de nossas risadas, me lembro de descobrir que ela estava grávida – pq nem ela mesmo sabia - de estar com ela no dia seguinte de uma situação inacreditável e terrível que ela viveu. Me lembro da gente nas Lojas Americanas, comprando kit mechas. Cafezinho do Viena na falecida Mesbla. 
Ela é o ser mais influenciável que conheci. Era só eu ligar perguntando que ela iria fazer dormindo numa noite de sexta que ela saía debaixo das cobertas e me pegava em casa no intervalo de exatos 15 minutos.

A do BBB
A amiga de trabalho da “cobrinha” chegou e ficou. As duas são como a corda e caçamba. Feijão com arroz. Pão com manteiga. Só vivem juntas. Choppinho? Tavam juntas, chegavam juntas, iam embora juntas... Festa de níver? Comemoração juntas. Aliás foram muitas as festas, inesquecíveis: à fantasia, brega, Halloween. Não, elas não são namoradas (risos).
Nosso calendário tá sempre vinculado ao BBB. Durante os três meses de programa - esquece - será impossível vê-la.
É a fã número um do Bobó de Camarão da minha mãe (e quem não é?)

A caçadora
A da “xiboquinha” também trouxe aquela amiga do trabalho, que de vez em quando tava de dieta e tomava suco de tomate nos barzinhos. Ela me disse “música boa se ouve em casa”, se referindo a dificuldade de achar gente interessante nas nights atuais. Nada mais engraçado e mais correto. Ela adora nossas trocas infindáveis de e-mail, com as discussões de quando, como, onde, que horas, porquê...
Me lembro de um encontro na casa dela e uma tal de melancia atômica espatifada no chão. E a ligação que a dos cachorros recebeu, enquanto ia nos encontrar: “Passa em algum lugar e compra uma melancia!”, como se malancia se vendesse em qualquer loja de conveniência aquela hora da madrugada...

A garota ninja ou a amiga da mulher maravilha
Essa eu trouxe no pacote. Minha hilária amiga, quase irmã. Me lembro das suas histórias divertidas e das diversas nights que bravamente enfrentamos juntas. Essa foi meu conforto nas horas de desespero, alegria dos meus finais de semana deprê. Já rodamos muito juntas: centros espíritas, tratamentos de estética, encontros às escuras, sempre de muito bom humor e sem descer do salto. Não me esqueço do dia que nasceu a ninja girl – ela, no píer da Barra, de tanto rir caiu na areia, e eu, mesmo sendo ninja, não tinha forças pra levantar aquele 1,80m de mulher que mal se agüentava em pé.  Bonequicha, músicas brega, tuuuuuuuuuuuuuuudo de bom, Paulinho e Alice, músicas do Roberto Carlos, passo muito mal, bebêin, Marcinho! Temos muitas coisas pra lembrar. E ainda vamos compartilhar muitas outras, tenho certeza.

Era pra ser sempre e de um tempo pra cá tem sido cada vez mais esporádico. Cada uma com sua vida, com seu corre-corre. Umas aqui, outras em outro estado, outras em outro país! Não importa. É sempre muito bom estar com minhas amigas, tomando choppinho, falando besteira, pagando mico no amigo oculto – que começou inocentemente com calcinhas de R$ 1,99 do Saara e evoluiu para as mais sexies lingeries e os mais divertidos acessórios de sex shop...Aliás, não dá pra esquecer das risadinhas contidas do segurança do Odorico, ouvindo as nossas estórias...

Temos um amigo – o vegetariano – que quer sempre saber o que se passa no papo calcinha.
Mas aqui, nesse grupo, cueca não entra.
Nem com homem dentro.


sábado, 12 de março de 2011

Ra - re - ri - ro - rua!


Já havia solicitado informações sobre o desenvolvimento da fala das crianças, quando, no ano passado, percebi que os gêmeos, João e Laura, amigos do Fred, haviam me dito que ele estava no banheiro com toda ênfase que a letra R poderia ter. Frederico, apesar de mais velho, ainda praticava a omissão de alguns fonemas, principalmente na conjunção de consoantes. “Ora, mãe, o R é o último fonema a ser desenvolvido, podendo ser facilmente substituído pelo L”. Tlocando em muídos, eu não deveria me preocupar ainda.
Desde então passei a observar a evolução da sua fala, mesmo que ao meu ver, em descompasso com seu crescimento instantâneo de menino. A primeira vitória foi quando, orgulhoso, nos contava sobre sua aventura nos gramados botafoguenses: no estádio do Engenhão, de mãos dadas com o Lúcio Flávio, ele e o primo haviam participado da abertura de um jogo. Daí para Flamengo, Fluzão, e outras tantas palavras com o L foi moleza. “Rato”, “carro” e “roda” saíam com aquela facilidade gutural de início de aprendizado, mas o nome da sua melhor amiga continuava a ser “Catalina”.
Pois nesses dias, resolvemos fazer uma brin-ca-dei-ra. Nos sentamos na sala e começamos, entre os desenhos da Nick e o dvd do Power Rangers, a solicitar que ele repetisse algumas palavras: ár-vo-re, ba-ra-ta, a-ra-nha, bom-bei-ro, enfatizando as silabas que nos interessavam. E ele, com uma pronúncia no início tímida, repetiu, corretamente, todas elas, pouco a pouco dominando os “ras” e “res” daquilo que ditávamos. A cada acerto, batíamos palmas e fazíamos festa, o que o fazia sorrir e gargalhar cada vez mais empolgado com seu próprio desempenho. A atividade começava a se tornar mais engraçada, conforme as palavras iam se tornando mais difíceis: pe-re-re-ca, mamãe San-dra, tar-ta-ru-ga, e nos divertíamos e incentivávamos o seu esforço – inclusive com as caretas necessárias – para que a pronúncia fosse correta.
Nesta empolgação crescente, pede a vez e faz sua sugestão, pra saber se nós também saberíamos repetir a palavra que ele nos ditaria. Fez aquela cara gostosa de esperteza, o olhar de quem iria pronunciar a palavra mais difícil do mundo, e nos brinda:  
- Te-li-vi-são-Ô!

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Don´t cry for me, Argentina


Hola, que tal? Era a frase automática que tínhamos a dizer. Os meus três anos e meio de estudo da língua espanhola estavam há anos adormecidos, mas a semelhança com o português nos trazia um pouco mais de "intimidade" com o idioma. A dificuldade começou com o chofer que nos esperava no aeroporto. Mas os ouvidos aos poucos foram se acostumando com os diferentes sotaques falados na capital Argentina, e em pouquíssimo tempo já dominávamos o linguajar portenho.
Com o favorecimento do câmbio, Buenos Aires passou a ser um pólo de consumo. Tudo é mais barato por lá, portanto, o que mais nos foi indicado pelos amigos que já conheciam a cidade, era como chegar aos outlets. Mas nosso objetivo era outro. Dois arquitetos perdidos em BsAs, só poderia resultar em muitas andanças, avidez pelo conhecimento histórico, contemplação. É incrível como nossos olhares eram direcionados a monumentalidade das edificações, a resolução do sistema viário e urbano, a elegante e pacífica convivência entre o antigo e o novo, o requinte e o moderno. Buenos Aires é linda. Sim, com todas as mazelas de qualquer outra grande cidade, mas acolhedora, misteriosa e encantadora. Ou seria este encanto movido pelo meu estado de espírito apaixonado?
Meu encantamento começou por Puerto Madeiro, onde ficamos hospedados. Bairro novo, com apenas 20 anos, erguido no antigo cais do porto, à margem do Rio da Plata. Os antigos diques, grandes depósitos de baixo gabarito, construídos em tijolinhos aparentes (que vieram nos barcos ingleses como contrapeso, segundo informações de um taxista), hoje abrigam hotéis, faculdades, empresas e inúmeros restaurantes. O charme de Puerto Madero são os guindastes em toda a extensão do rio, como testemunho histórico da época em que ali ainda funcionava o porto. Uma urbanização impecável com mobiliário e iluminação urbana de eficiência., grandes praças arborizadas e lindo paisagismo. Bairro nobre, com grande policiamento, tranqüilo, acolhedor. Uma delícia passear por ali à noitinha, sentar numa daquelas praças do parque e contemplar a beleza da lua.
Grande parte da sua extensão é proveniente de aterro, onde novas construções de até US$ 6.000/m² foram erguidas. Grandes espigões espelhados somente evidenciavam o que sempre me disseram sobre Buenos Aires: que era uma cidade monumental. Pudemos perceber isso na largura das vias, na beleza e imponência de seus chafarizes, bustos e estátuas, nos detalhes preciosos de uma arquitetura renascentista. Construções ecléticas, pitorescas, um mix de estilos que empregam um charme todo especial a parte histórica da cidade. E desta forma, era quase que inevitável a comparação com o Rio de Janeiro: a calle Florida, às cinco da tarde, poderia ser facilmente confundida com a Uruguaina e seus camelôs espalhados pelas calçada; a Nueve de Julio era uma Presidente Vargas duplicada; Caminito seria uma mistura de Lapa com Santa Teresa, cheia de cores, cheia de gente, cheia de música, cheia de vida.
Desde minha época de estudante eu já ouvia falar da revitalização do Cais do Porto do Rio de Janeiro. Inúmeros foram os projetos que já foram feitos, propostos, engavetados. E vendo Puerto Madero tive vontade de ter essa beleza na minha cidade. Quis, num quase utópico desejo, que nossos armazéns também tivessem vida, tivessem estilo, tivessem beleza. Quis um calçadão e vias urbanizadas. Quis charme e requinte, quis movimento, quis pessoas, quis dignidade, quis respeito para o nosso cais, para a nossa cidade.
Muitas foram nossas aventuras na capital portenha.
Já voltei com vontade dos alfajores, de doce de leite, dos sorvetes do Freddo, da vista magnífica da nossa janela, de curtir a rivalidade gostosa entre Boca e River, da festa de família em Palermo, dos taxistas loucos no trânsito, das manifestações nas ruas cortadas.
Gracias, Buenos Aires.
Voltamos brasileirissímos, mas com a alma um pouquinho mais branca e mais celeste.

Pétala


Por ser exato 
O amor não cabe em si
Por ser encantado
O amor revela-se
 Por ser amor 
Invade
E fim!...
(Pétala - Djavan)

Não podemos explicar o que não se pode entender. Então, é melhor sentir. Fechar os olhos e entregar-se. Da forma mais intensa e verdadeira possível.
Porque o amor é assim: devastador. Nos arrebata e quando menos percebemos nos tornamos escravos.
Assim é o amor: não se explica, não se entende, não se mensura, apenas se sente.
Bem aqui dentro.
Bem dentro.

Desse jeito.