quinta-feira, 30 de junho de 2011

Arquiteto pra quê?


Sempre achei que todo arquiteto é um pouco artista. Fato este somado à minha pluralidade geminiana e necessidade de exibição, talvez tenha sido o maior motivo na escolha da minha profissão: criação. Essa possibilidade de unir criatividade e produção como forma de vida nos eleva a uma categoria de quase semi-deuses. Traduzir o desejo mais íntimo de um ser vivente e transformá-lo em concreto (ambiente construído) – aliando técnica à estética - nos dá uma sensação de poder indescritível. Como crias, nossos projetos nos são únicos, lindos, indefectíveis. Pode perguntar pra qualquer arquiteto qual seu maior prazer dentro do seu ofício. Todos, em unanimidade, responderão: projetar. O arquiteto que não sente prazer projetando deveria ter seguido a engenharia.
Mas, como tudo na vida, existe o outro lado da moeda. Por projetarmos por inspiração e criatividade, muitas pessoas não levam a sério nosso ofício. Assim como a arte, por produzirmos movidos pelo instinto criativo, muitos pensam que nosso trabalho é fácil. Que é só pedir e pronto: lá está nosso projeto, materializado no papel. Quantas e quantas vezes já escutei: “Me dá uma idéia?”, como se projeto não tivesse que ser amadurecido, estudado, repensado. “Faz pra mim uma plantinha?” como se nosso ofício fosse sinônimo de jardinagem. Vamos explicar de uma vez por todas que pra que uma “plantinha” exista – e pra mim, “plantinha” é sinônimo de planta baixa em escala reduzida – são necessários vários fatores que devem ser considerados e que levamos, pelo menos, cinco anos de nossa vida acadêmica e outros tantos de vida prática e de experiência profissional para torná-la realidade.
Não. Definitivamente, não é só pegar o lápis e o papel manteiga e sair rabiscando qualquer coisa por aí, por simplesmente trabalharmos com emoção e inspiração.
Da mesma forma, quando temos um projeto finalizado, entendam: aquele projeto foi pensado – aquele fluxo, aquela implantação (que depende daquele terreno, daquela orientação solar, das posturas municipais para aquela área), aqueles materiais de revestimento, aquele tipo de cobertura (que dependem dos fatores climáticos daquela região), aquele partido arquitetônico, o tamanho daquele cômodo – TUDO foi estudado minuciosamente antes de se transformar – aos olhos de um leigo - numa simples “plantinha”.
Observação: Outra coisa irritante é a mania que as pessoas tem em dizer: “Mas, dá!”. Minha profissão me permite um olhar espacial diferenciado do seu e existem regras mínimas necessárias para circulação, portanto, se eu digo que neste espaço não dá para colocar todos os seus móveis, é porque não dá mesmo.
É claro, que cada arquiteto desenvolve o projeto a sua forma e pra isso existe a liberdade criativa – imagine só todos os compositores só compusessem um estilo musical? Seria impossível só escutar bossa nova, ou ainda imagine o caos se só se tocasse pagode – cada um terá sua maneira de desenvolver aquele “programa”.  O meu olhar sempre será diferente do olhar de outro profissional, e certamente, acharemos soluções diferentes para o mesmo problema.
Ah, outra observação: o trabalho do arquiteto é uma produção intelectual, única. Se você contrata um profissional da área, é porque você espera que seja desenvolvido um projeto exclusivo pra você. Não queira imitar aquilo que viu na casa do seu amigo, ou aquilo que saiu naquela revista. Se você quer copiar alguma coisa, você definitivamente não precisa de um arquiteto. Inspiração sim, cópia nunca!
E falando dos colegas de profissão, o fato de sermos todos “artistas” e termos visões diferenciadas não me permite criticar o projeto alheio só por criticar. Minha vivência (qualquer que tenha sido) não me permite eu faça prevalecer a minha idéia, só porque é minha. O bom profissional, a meu ver, é aquele que consegue atender a todas as necessidades do seu cliente e que consegue ouvir e aceitar as opiniões, filtrar, digerir as críticas. O trabalho em equipe neste caso é perfeito, pois às vezes estamos tão dentro do projeto que não conseguimos ver soluções para certas dificuldades. Já vivi situações de pura inércia criativa ao me deparar com um problema. Foi só solicitar ao colega pra me ajudar naquele layout e um intervalo pro café, que ele me mostrou a solução: limpa, perfeita, que esteve o tempo todo ali, estampada na minha cara.
Eu, Sandrinha, arquiteta, simples mortal, já tive a honra de trabalhar em parceria com grandes nomes da arquitetura nacional – fica aqui minha reverência ao Índio da Costa e Ciro Pirondi – e desenvolvi um enorme carinho e admiração por esses “monstros”. Ao contrário do que se possa imaginar, não existe nenhum estrelismo em suas personalidades, são profissionais super acessíveis, simples, diretos, dispostos a ouvir e a ensinar, mesmo nas situações mais delicadas (e olha que em se tratando dos projetos em pauta, já foram muitas situações delicadas, rs). Hoje, aprendo um pouquinho de interiores com a Ângela Frota, e tenho certeza que esta troca tem sido muito interessante, não só pra mim, mas para ela e toda a sua equipe (não posso deixar de registrar nossa última aventura em terras cuiabanas). E tenho certeza, que para o sucesso de todos estes trabalhos que desenvolvemos juntos, sempre existiu, acima de tudo, respeito pela minha formação profissional.
Então, é isso. Meu recado está dado. Falo na primeira pessoa, mas falo em nome de todos os colegas arquitetos e não da Sandra, indivíduo.
Vamos lá. Você cliente, você colega de profissão: respeite o arquiteto, respeite o meu ofício. Respeite minha forma de projetar. Respeite meus conhecimentos técnicos e até empíricos, porque não? Respeite minhas idéias inovadoras. Aceite a evolução da tecnologia, da maneira de construir. Não é porque há 40 anos se projeta desta forma que a partir de agora não se possa projetar de forma diferente. Vamos aceitar que cada um tem o seu conhecimento específico. Durante uma cirugia, eu tenho lá conhecimento e profundidade pra questionar os procedimentos do cirurgião? No meio de uma audiência, vou eu questionar ao juiz, ao advogado, ao promotor, a melhor maneira de advogar?
Vulgarmente falando: cada um no seu quadrado.
E o meu quadrado, só para informação, ou faço no AutoCAD.

5 comentários:

  1. Curtido e aprovado!
    Idéia tem preço por m²!

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  2. Perfecto!! Plenamente apoiada e aplaudida!! Me reconheci inteiro no seu texto... "Quer uma plantinha amigo, pede pro jardineiro!" Beijos apaixonados!

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  3. Adorei, Sandrinha!! Falou tudo!! Não sou arquiteta de formação, mas por afeição!! Beijos!!

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  4. Muito bom. Vi o teu link numa lista de arquitetura recomendando o post e com certeza assino abaixo. Esses tempos escrevi no meu blog sobre isso: Pitaco não é projeto. Parabéns pelas palavras. Abraços

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  5. ... já estou um pouco cansado de tentar bater de frente com a ignorância Sandrinha. Talvez é tentar levar a nossa profissão como um hobby, assim podemos dar risadas de clientes que confrontam a tecnologia e bons argumentos para um "Projeto de Verdade".
    www.adrianobelchior.blogspot.com

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